Morar Sozinho Pode Aumentar o Risco de Hospitalização? O Que a Ciência Descobriu

4/11/20255 min leer

Pesquisadores do Reino Unido acabam de revelar algo que pode mudar a forma como enxergamos o suporte familiar na saúde: quem está ao seu lado dentro de casa pode ser tão importante quanto seus próprios cuidados médicos quando se trata de evitar hospitalizações de emergência ou a necessidade de ir para uma casa de repouso.

O poder invisível da companhia em casa

Imagine duas pessoas com as mesmas condições de saúde, idade similar e histórico médico parecido. A única diferença? Uma vive sozinha e a outra com familiares. Segundo este estudo abrangente realizado com mais de 1,4 milhão de adultos no País de Gales, a pessoa que vive sozinha tem quase o dobro de chances de precisar de uma hospitalização de emergência.

Os números são reveladores: para cada 1.000 pessoas por ano, aproximadamente 92 que vivem sozinhas precisam de hospitalização não planejada (internações hospitalares que não foram programadas com antecedência), comparado a apenas 40 entre aquelas que vivem em lares com três ou mais pessoas onde ninguém tem múltiplas doenças crônicas.

E quando falamos sobre a necessidade de ir para uma casa de repouso, a diferença é ainda mais dramática - quase dez vezes maior para quem vive sozinho!

A multimorbidade entra em cena: quando quem cuida também precisa de cuidados

Aqui está a parte mais fascinante da descoberta: não é apenas viver com alguém que faz a diferença, mas também a saúde dessa pessoa. A multimorbidade – condição em que uma pessoa possui duas ou mais doenças crônicas simultaneamente – desempenha um papel crucial nesta equação. Quando convivemos com alguém que tem multimorbidade, o efeito protetor de ter companhia diminui significativamente.

Em termos simples: viver com alguém que também enfrenta problemas de saúde complexos não oferece o mesmo nível de proteção contra hospitalizações ou necessidade de cuidados institucionalizados.

Por que isso acontece? A ciência por trás dos números

Os pesquisadores sugerem que esse fenômeno pode ser explicado por vários fatores:

  1. Suporte prático diário: Co-residentes saudáveis podem ajudar com medicações, consultas médicas e identificação precoce de sintomas preocupantes.

  2. Apoio informacional: Interpretar receitas médicas, navegar pelo sistema de saúde e compreender orientações médicas se torna mais fácil quando há alguém para auxiliar.

  3. Integração social: A simples presença de outra pessoa pode melhorar o bem-estar emocional e diminuir o isolamento social, fatores que impactam diretamente a saúde.

  4. Capacidade de resposta a emergências: Ter alguém por perto em caso de queda ou piora súbita de sintomas pode fazer toda a diferença no desfecho de uma situação crítica.

Quando o co-residente também tem multimorbidade, sua capacidade de oferecer esse suporte pode ser reduzida, já que precisa lidar com suas próprias condições de saúde.

O que isso significa para você e sua família?

As implicações práticas desse estudo são enormes, especialmente considerando o aumento de pessoas vivendo sozinhas nas sociedades modernas - só no Reino Unido, houve um crescimento de 8% entre 2013 e 2023.

Se você tem familiares idosos ou com condições crônicas que vivem sozinhos, vale considerar:

  • Estabelecer um sistema regular de visitas ou telefonemas de verificação

  • Usar tecnologia para monitoramento à distância quando apropriado

  • Investigar serviços comunitários de suporte para pessoas que vivem sozinhas

  • Planejar antecipadamente para possíveis necessidades de cuidados futuros

[Para famílias onde múltiplos membros têm condições crônicas, algumas estratégias adicionais podem ser úteis:

  • Considerar sistemas de suporte comunitário ou voluntário para dividir responsabilidades de cuidado

  • Verificar a elegibilidade para serviços de cuidado domiciliar oferecidos pelo sistema de saúde

  • Procurar grupos de apoio para cuidadores, que podem oferecer tanto suporte emocional quanto dicas práticas]

Para profissionais de saúde e formuladores de políticas públicas, o estudo sugere a necessidade de:

  • Coordenadores de cuidados especiais para pessoas que vivem sozinhas

  • Maior suporte financeiro e prático para cuidadores de pessoas com multimorbidade

  • Programas comunitários para diminuir o isolamento social

  • Abordagens multidisciplinares para famílias onde múltiplos membros têm condições crônicas

A ciência por trás do estudo: robustez e credibilidade

Este não foi um estudo pequeno ou com metodologia questionável. Os pesquisadores analisaram dados de 1.472.185 adultos ao longo de cinco anos (2011-2016), usando modelos estatísticos sofisticados que levaram em conta fatores como idade, sexo, condição socioeconômica e hábitos de saúde.

A robustez metodológica confere alta credibilidade aos resultados, embora os próprios autores reconheçam algumas limitações, como a impossibilidade de medir todos os fatores que poderiam influenciar os resultados e a especificidade dos dados para o contexto britânico.

Um olhar para o futuro: envelhecimento populacional e arranjos familiares

À medida que a população envelhece globalmente e o número de pessoas com múltiplas condições crônicas aumenta, entender como os arranjos domiciliares afetam a saúde se torna ainda mais crucial.

"Este fardo aumentará com o envelhecimento da população, quando se tornará mais comum que as pessoas vivam com co-residentes que têm multimorbidade, e a multimorbidade e as necessidades de cuidados associadas provavelmente se tornarão mais complexas", alertam os pesquisadores.

Muito além de um teto compartilhado

A próxima vez que você refletir sobre saúde, lembre-se que ela não é determinada apenas por genes, hábitos individuais ou acesso a médicos. O contexto social mais íntimo – as pessoas com quem dividimos nosso lar – pode ter um impacto profundo em nossa capacidade de gerenciar doenças e permanecer independentes.

Esta pesquisa nos lembra que, em tempos de crescente isolamento social, talvez precisemos resgatar valores fundamentais de comunidade e cuidado mútuo. Não apenas por questões emocionais ou sociais, mas por razões concretas de saúde pública.

Afinal, como este estudo demonstra com dados contundentes, quem está ao nosso lado em casa pode fazer toda a diferença entre uma vida independente e uma institucionalização precoce, entre saúde gerenciável e crises recorrentes.

E você, como tem organizado seu suporte social e familiar para enfrentar desafios de saúde? Vale a pena refletir sobre isso à luz dessas descobertas científicas.

Lembre-se: Este artigo é apenas informativo e não substitui orientações de um profissional de saúde.

Mini-Glossário

Multimorbidade: Presença de duas ou mais condições crônicas de saúde simultaneamente em uma pessoa.

Hospitalização não planejada: Internação hospitalar que não foi agendada com antecedência, geralmente resultante de emergências ou complicações agudas.

Risco competitivo: Em estudos estatísticos, ocorre quando um evento (como morte) pode impedir a observação do evento de interesse (como hospitalização).

Referências:

Fonte: Estudo publicado em Nature Communications em 2025.

Título original: "Impact of household size and co-resident multimorbidity on unplanned hospitalisation and transition to care home"

Autores: Clare MacRae, Stewart W. Mercer, Eleojo Abubakar, Andrew Lawson, Nazir Lone, Anna Rawlings, Jane Lyons, Ronan A. Lyons, Amy Mizen, Rich Fry, Gergő Baranyi, Jamie Pearce, Chris Dibben, Karin Modig, Rhiannon Owen & Bruce Guthrie

DOI: https://doi.org/10.1038/s41467-025-56990-9

Você já parou para pensar como as pessoas que moram com você podem influenciar sua saúde? Se já cuidou de alguém doente em casa ou se preocupa com familiares idosos que vivem sozinhos, esta descoberta científica recente merece sua atenção.

"Viver sozinho ou com co-residentes com multimorbidade representa um risco adicional para hospitalização não planejada e transição para casa de repouso, além das características sociodemográficas e de saúde individuais", explicam os pesquisadores no estudo publicado na revista Nature Communications.